Um período sabático pode comprometer sua carreira?

Dar um tempo na carreira para investir em vida pessoal ou desenvolvimento profissional pode não ser bem visto pelo mercado


Talvez. Infelizmente, as hipocrisias da sociedade brasileira também são refletidas no ambiente profissional. Da mesma maneira que, apesar de ser comum ver mulheres peladas no carnaval, é considerado um absurdo uma mulher fazer topless em um praia brasileira, é natural você ficar num emprego que você não gosta ou não se sente satisfeito, pois o mercado não vê com bons olhos o profissional que está desempregado, principalmente aquele que ficou desempregado por opção própria.


Eu sempre fui fascinado pela ideia do período sabático. Logo que me formei, as coisas aconteceram tão rapidamente que atropelei tudo e acabei adiando vários projetos pessoais. Em qualquer conversa informal nos happy hours, sempre ouvi vários gestores reclamando que abandonaram seus hobbies por causa do trabalho e que isso era algo que inevitavelmente ocorreria com qualquer um que quisesse crescer naquela carreira. Essa conversa sempre me intrigava, pois apesar de eu ter grandes ambições de desenvolvimento profissional, eu não estava disposto a abrir mão totalmente da minha vida pessoal para atingir este objetivo. 


Alguns anos depois, passei um período estudando nos EUA e observei que é normal as pessoas tirarem períodos sabáticos e algumas empresas até incentivam esta atitude. Os recém-graduados costumam tirar alguns meses após a graduação para viajar pelo mundo. Pessoas simplesmente dão uma pausa na carreira para repensar o rumo das coisas, se dedicar a projetos pessoais e depois retornam ao antigo trabalho ou até mesmo iniciam uma nova carreira. Por lá, conheci uma pessoa, por volta dos seus 35 anos de idade, que estava viajando dentro dos EUA por aproximadamente 3 meses, usufruindo de um benefício que a empresa para qual ela trabalhava oferecia - a cada ciclo completado de 7 anos dentro da empresa, os profissionais podem tirar 3 meses de férias, para fazerem o que quiserem e ainda recebem um bônus para usufruir desse período. Na Europa este hábito é ainda mais comum. Algumas empresas proporcionam períodos não remunerados para o funcionário utilizar como quiser (a maioria viaja pelo mundo) e mesmo se o funcionário resolve se desligar da empresa para investir em projetos pessoais, ele se recoloca muito rápido na volta. Conheci vários europeus que viajaram pelo mundo de 6 meses a 1 ano e se recolocaram no mesmo mês em que voltaram. Sim, a Europa está em crise, com alto desemprego, mas as empresas valorizam este tipo de comportamento.

Já em terras tupiniquins, as coisas não funcionam bem dessa maneira. Talvez, porque a realidade econômica brasileira seja bem diferente da realidade dos EUA e dos países europeus. Mas também, acredito que a hipocrisia seja o fator mais relevante nesse quadro. No meu período sabático, fui duramente criticado por diversas pessoas – amigos, ex-colegas de trabalho, parentes e até mesmo recrutadores. Diversas vezes, fui aconselhado a voltar para o meu antigo trabalho, já que eu não havia conseguido nada. Também fui aconselhado a aceitar qualquer proposta, já que, estando empregado, seria mais fácil conseguir uma nova posição, e meu poder de barganha, inclusive salarial, seria muito maior. E o pior de tudo, na minha opinião: fui aconselhado a mentir, dizer que eu havia sido demitido, pois seria menos pior ter sido demitido do que ter pedido demissão por razões próprias.

Então mentir vale mais do que ser fiel aos seus ideais? Na realidade brasileira, infelizmente, eu acredito que sim. E eu poderia ter feito isso, mas não fiz. Vai contra a tudo em que eu acredito e ainda prefiro acreditar que podemos fazer as coisas de uma maneira diferente. Entretanto, 95% das pessoas que eu conheço agem exatamente dessa maneira – voltam para o antigo trabalho ou aceitam qualquer oferta e ficam por lá no máximo 6 meses, e mentem; mentem muito e quase sempre a mentira no final acaba dando certo.


Ao entrevistar um candidato, valorizo muito mais aquele que se dedicou às suas aspirações e objetivos, do que aquele que foi sendo levado pela onda, sem analisar se sua trajetória profissional estava fazendo sentido e principalmente, se ele estava ou não satisfeito com a mesma.

Nessa história toda, eu percebi que o quê falta é coragem às pessoas, principalmente ao brasileiro. Coragem para inovar, coragem para fazer diferente, coragem para quebrar tabus e mudar comportamentos. E é essa falta de coragem que faz esse país seja o quê é. E quem não tem coragem de mudar acaba penalizando quem tem.

Eu, entretanto, fui contra todo o senso comum brasileiro – tirei meu período sabático, fiz várias coisas das quais eu sempre quis fazer (pessoais e profissionais) e voltei ao mercado de trabalho. Foi fácil? Não, muito mais difícil do que eu sempre imaginei. Mas acredito que valeu a pena e tenho certeza que o meu desenvolvimento pessoal nesse período beneficiará positivamente minha carreira.

By Boss

9 comentários :

  1. Olá,

    Excelente artigo.

    Estou justamente na fase do período sabático, refletindo e avaliando muitas coisas, enquanto isso, estudo e me dedico às atividades que gosto (esporte, dança e yoga).
    Já fiz a burrada de aceitar a primeira oportunidade de trabalho com medo de ficar desempregada, mas aprendi a lição, hoje vou ponderar muito mais. Sem me super valorizar, mas avaliar o que posso oferecer à empresa e receber em troca. Dinheiro é importante sim, mas nada paga a satisfação de acordar todos os dias e ir bem disposta ao trabalho. Sei que não existe trabalho perfeito, somos nós os responsáveis por tornar agradável o ambiente onde vivemos e trabalhamos. Posso estar um tanto ilusionada, mas são os meus princípios e não abro mão deles.

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    1. Olá Priscila,

      Obrigada pelo comentário! Concordamos que satisfação profissional é muito importante, já que passamos grande parte do nosso tempo trabalhando. Aproveite seu sabático e boa sorte quando você resolver voltar para o mercado.
      Se cadastre no blog e nos siga nas redes sociais para que você acompanhe nossas discussão sobre este e outros assuntos!
      Boa sorte e sucesso!

      Abraços,

      Carreira e Você

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  2. Olá!!

    Eu poderia escrever este texto... É exatamente o que aconteceu e está acontecendo comigo, porque eu ainda estou na fase de recolocação.

    A diferença é que fui para o Canadá e conheci muitos orientais, assim como, europeus que também não tem essa preocupação que nós brasileiros temos em relação ao mercado e como vamos ser classificados no retorno.
    É decepcionante você investir toda a sua vida em estudos (Graduação, MBA, Pós Graduação) ir atrás do inglês prá ajudar a elevar o nível da fluência no país (já que todo mundo fala que o Brasil tem um dos piores níveis de fluência) e no fim de todo este investimento o mercado te trata com indiferença.
    Tudo o que você escreveu eu assino embaixo, conheço outros países e outros estrangeiros e o Brasil quase que o tempo todo nos dá motivos de vergonha.
    Só para citar um exemplo, sendo eu mulher, com 30 anos e uma união estável, uma das primeiras perguntas, antes de qualquer pergunta sobre competência, é se pretendo ter filhos e quando e se pretendo casar. Se você fizer entrevista com qualquer outro país decente (já fiz com Canada, Espanha, Irlanda e Alemanha) ninguém faz pergunta pessoal, em alguns, como o Canada é inclusive proibido.
    Agora você pensa: Com todo o investimento em desenvolvimento pessoal que fiz (além das formações, ainda outros vários cursos), penso eu que é fácil de imaginar que eu sou o tipo de pessoa que está investindo para ter crescimento profissional. Assim que estas perguntas surgem, tenho logo vontade de encerrar dizendo: Acredito que não temos mais nada para conversar! rs

    Para finalizar, cabe bem o texto de José Gueiros - O medo causado pela inteligência:
    http://forum.outerspace.terra.com.br/index.php?threads/o-medo-causado-pela-intelig%C3%AAncia.131074/

    Abraços e sucesso!

    Amanda,

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    1. Olá Amanda,

      Muito obrigado pelo seu comentário! Ao regressar ao Brasil de um mestrado nos EUA eu achava que meu CV seria mais valorizado aqui e me enganei profundamente. Lá fora eles valorizam muito mais formação acadêmica e idiomas que aqui, o quê parece até um contrassenso, já que teoricamente o Brasil precisa de profissionais altamente qualificados. Os processos seletivos então, desrespeitam profundamente os candidatos. Confira nossos posts sobre o assunto http://www.carreiraevoce.com/2013/12/processos-seletivos-podem-desrespeitar.html.

      Continue acompanhando o Carreira e Você nas redes sociais e participando das discussões!

      Abraços,

      Carreira e Você

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  3. Olá
    Estou pretendendo fazer um mestrado profissional nos EUA pelo ciencias sem fronteira. No momento estou num intercambio profissional trabalhando na india. Porem apos ler essa materia fiquei receoso. Voce acha que vale a pena fazer esse mestrado e voltar apenas com experiencia em estagios e esse trabalho internacional na india de 6 meses?
    Acabei de conhecer o blog e estou gostando muito. Ja estou seguindo.
    Abraco

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  4. Olá, parabéns pelo texto.
    Optei pelo sabático para repensar a minha carreira e fazer cursos na área de sustentabilidade, responsabilidade social e terceiro setor pois decidi mudar de área de atuação. Agora estou na reta final do meu período sabático. morando em NY, estudando inglês e fazendo alguns cursos na área do terceiro setor. Tenho dúvida sobre o que colocar no meu perfil do linkedin para caracterizar esta transição. Vc tem alguma sugestão? abs,

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    1. Olá Aline.
      Estou com a mesma dúvida que você! Queria saber se você chegou a alguma conclusão de colocar ou não o período sabático no linkedin.
      Abraços, Marco.

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  5. Olá!
    Parabéns pelos excelente texto.
    Realmente o período sabático está se tornando uma opção real para diversos profissionais atualmente, por variadas razões. Porém, além de não ser bem visto pelas empresas e por profissionais de RH também não existem muitos artigos que tratam sobre este assunto e orientam os profissionais no momento do retorno ao mercado.
    Estou finalizando meu período sabático, que foi motivado por questões de saúde de familiares, e estou bastante preocupada com a fase de recolocação.
    Apesar de este ser o motivo que menos agrega valor profissional ao currículo, também concordo que mentir não é uma opção.
    Obrigada por dividir sua experiência conosco. É sempre de grande ajuda num momento tão delicado da nossa vida profissional.

    Abs.

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  6. Olá, parabéns pelo ótimo texto!

    Também vivi a mesma experiência. Sou Gerente de TI, 37 anos, e optei por um período sabático de 6 meses no Canadá e EUA em 2013, buscando aprimoramento profissional em TI e Business English. Segui ainda para a Colômbia por mais 3 meses em busca de fluência na língua espanhola.
    Retornei no início de 2014 ao Brasil, ansioso e determinado a encontrar uma rápida recolocação profissional. Infelizmente, acreditem ou não, estamos terminando 2015 e ainda estou sem emprego.
    Mesmo com MBA pela FGV, diversas certificações, treinamentos e atualizações constantes, boa rede de amigos em empresas de ponta, retornei em um momento de ruim em nosso país (tendendo a piorar). Muitos de meus contatos inclusive estavam (e estão) sendo dispensados para redução de custos ou devido a fechamento da empresa. A abertura de novas vagas é escassa e a concorrência é insana.
    Participei de processos seletivos para raras e extremamente concorridas vagas (mais de 500 candidatos), mas ultimamente acho em nosso país acho que está mais fácil ganhar na loteria ao invés de conseguir um (bom) emprego... (ironia).
    Muitos "amigos" insistem em dizer que devo aceitar qualquer proposta salarial ou mesmo cargos de analista, descer alguns degraus em minha carreira, recomeçar... Sinceramente, não por orgulho, mas por frustração de estar num país que não reconhece e valoriza profissionais que buscam o melhor, investem tempo e dinheiro, se privam do convívio de amigos e familiares afim de entregarem algo melhor por aqui... Simplesmente, lamentável e frustrante. Estou vivendo com minhas (hoje) poucas economias e ajuda de meu irmão. Penso em sair do país, mas ainda não encontrei um caminho seguro nesse sentido, além de precisar de um investimento para despesas iniciais, do qual não disponho mais.

    Enfim, mesmo enfrentando esse cenário tenebroso, não me arrependo de minha decisão de viver esse período fora do Brasil. As experiências que adquiri, os lugares e amigos que conheci, isso jamais será esquecido. Com planejamento prévio, recomendo a todos. Porém, se a intenção é retornar ao nosso país, acho melhor aguardar um pouco. Aos que estão fora nesse momento, recomendo retomar o contato com sua rede de amigos para futuras oportunidades ou mesmo buscar algo fora do país.

    Boa sorte a todos!
    Clovis Camozzi

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